sexta-feira, 17 de maio de 2024

Crenças x Contradições

 



Se quando morrem, crentes morrem em Deus, não deveriam suas famílias rejubilar, ao invés de lamentar? Em vez de agradecer a Deus, não deveriam os crentes que sobrevivem a uma calamidade ficar decepcionados, até indignados, por não os ter tomado para si? Afinal, não só continuam suscetíveis a sofrimentos como também a tentações que podem causar sua perdição. Se os que morreram foram libertos das aflições do mundo e levados ao Paraíso, não teriam sido favorecidos e os sobreviventes discriminados? Como agradecer a Deus pelo salvamento, em face de tantas mortes e tamanha dor? O que dizer dos traumas psicológicos das crianças que perdem seus pais em tragédias? E o que pensa um crente que sobreviveu, mas ficou com terríveis sequelas? Se salvá-lo foi fazê-lo sofrer, não teria Deus cometido uma maldade? 

Uma chuva forte pode fazer uma cidade como São Paulo parar. Quando um avião cai, às vezes vemos na TV alguns passageiros agradecerem a Deus por terem chegado tarde e perdido o voo. Se Deus enviou chuva especificamente para impedir alguns de embarcar, é a mesma que causou a queda de árvores, de energia, deslizamentos de terra, inundou casas, provocou acidentes de trânsito e acarretou a morte de pacientes em ambulâncias que, por terem ficado presas no engarrafamento, não conseguiram chegar a tempo no hospital. 

No que tange a doenças, crer no deus bíblico não torna pessoa alguma imune sequer a simples resfriados, muito menos a tumores. Quando um membro de igreja tem câncer, a congregação inteira ora por ele. Se ela for grande, são centenas ou milhares de orações por semana. Em vão. Caso o câncer não seja tratado ou, mesmo que em tratamento, esteja em estado avançado, “a oração feita com fé” não “curará o doente e o Senhor” não “o levantará”. 

Não passa pela cabeça dos crentes que se Deus atende às orações de alguns e os protege ou cura, é um deus injusto. Para ser justo, teria de atender ou a todas as orações ou a nenhuma. Se eu tivesse câncer, fosse curado e atribuísse a cura a Deus, como poderia eu ser-lhe agradecido sabendo que, todo ano, ele deixa dez milhões de pessoas, incluindo crianças, primeiro sofrerem por meses, depois morrerem dessa doença? 

Se um pai cristão ou muçulmano e seu filho tiverem câncer, implorarem a Deus para serem curados, o pai for curado, mas o filho não, conseguirá o pai se alegrar com sua cura? Se o pai acredita que Deus levou seu filho para o Céu, não se perguntará por que o deixou agonizar, e por tanto tempo? 
Se fosse verdade que a oração salva o doente, como diz a Bíblia, cristãos não teriam necessidade alguma de médicos, medicamentos e hospitais. 

A realidade é que se um crente pegar uma mera gripe, nem a súplica mais fervorosa do presidente mundial de sua denominação fará as dores musculares, de garganta, de cabeça, os espirros, a coriza e a tosse desaparecerem. Mesmo orando, o fiel terá de esperar uma semana para se sentir melhor. 
Se um cristão torcer o pé, preces não evitarão a dor intensa e a inflamação do tornozelo. Ainda que prometa a Deus dedicar o resto de sua vida à evangelização do mundo, o crente ficará vários dias sem poder andar e demorará semanas até que seu pé volte ao normal. 
Não obstante parecer uma lesão simples, sem acompanhamento médico uma entorse de tornozelo pode deixar sequelas. Se Deus não cura as enfermidades simples, por que haveria de curar as graves? Além disso, é teologia da própria Bíblia que nada pode acontecer sem Deus permitir. Por que, então, haveria de curar pessoas das doenças que permitiu? Uma divindade assim sofre de severo transtorno dissociativo de identidade. Pior: quem acredita que Deus cura acredita num deus sádico, pois se cura doentes, mas não extingue as doenças, usa-as para coagir os seres humanos a adorá-lo. Pior ainda: um deus que cura só quem lhe implora é um deus perverso. A propósito, se cura vem de Deus, ateus curados de câncer são prova de que não é necessário nele crer para por ele ser curado.

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