sexta-feira, 17 de maio de 2024

A logica canina da subserviência


Paraíso, proteção, cura e prosperidade são produtos vendidos pelas religiões, e em nenhuma são comercializados com tanto sucesso quanto na cristã. Seguir o Cristianismo é comprar o que ele tem para vender. Não conheço igreja que não associe dízimos e ofertas a bênçãos divinas. Afinal, isso é doutrina bíblica. Ao pedir aos cristãos de Corinto contribuições financeiras para crentes pobres na Judeia, o apóstolo Paulo não se limita a dizer: “Pessoal, nossos irmãos em Jerusalém estão precisando da ajuda de vocês”. Pelo visto, isso não teria sido suficiente para motivar os coríntios a doar. Tanto assim que Paulo gasta dois capítulos inteiros da Bíblia com considerações sobre a importância de dar ofertas. Ao que parece, também isso não teria bastado, pois a certa altura parte para a apelação e promete recompensas divinas aos doadores. Descaradamente, Paulo afirma que “aquele que semeia pouco, também colherá pouco, e aquele que semeia com fartura, também colherá fartamente” e não se envergonha de dizer que “Deus ama quem dá com alegria” (2 Coríntios 9:6-7). Depois dessa, que cristão ousaria não abrir a carteira? 

Solicitar ajuda financeira para irmãos na fé evidencia que nem a maior figura do Cristianismo confiava nas promessas bíblicas de amparo divino, como a que foi dada por intermédio de Salomão, o homem mais abençoado da Terra: “O Senhor não deixa o justo passar fome” (Provérbios 10:3). É inegável que o livro da capa preta vincula favores divinos à fidelidade nos dízimos e generosidade nas ofertas.

Quando compramos um produto ou pagamos por um serviço, sabemos exatamente o que receberemos. Se não o recebemos, ou não estamos satisfeitos, é natural nos decepcionarmos, e temos o direito de reclamar. Com as inúmeras promessas bíblicas de proteção, livramento, cura e prosperidade, não é assim. Não importa quão fiéis e generosos sejam, não há como os adoradores do deus da Bíblia saberem se ele cumprirá sua parte do acordo, muito menos como dele exigirem que a cumpra. Pior: se não concede o que pedem, a culpa não é de Deus, mas deles. Talvez não estejam sendo suficientemente fiéis. Talvez estejam precisando duma lição. Seja o que for, Deus nunca é responsabilizado, pois é bom e “sabe o que faz”. 

No intento de explicar por que não recebem o que pedem, é comum crentes dizerem frases do tipo “Deus não tem obrigação de atender a pedidos”. Sem embargo, várias passagens bíblicas deixam claro que isso não é verdade, como 2 Crônicas 7:14: “Se o meu povo […] se humilhar e orar, buscar a minha face e se afastar dos seus maus caminhos, dos céus o ouvirei […] e curarei a sua terra”. Como se vê, Deus fez um pacto com seus cultuadores: “Se vocês fizerem o que eu lhes peço, faço o que vocês me pedem”. A mesma coisa é ensinada pelo Novo Testamento: “Sabemos que Deus não ouve pecadores, mas ouve o homem que o teme e pratica a sua vontade” (João 9:31) e “Se dois de vocês concordarem na terra em qualquer assunto sobre o qual pedirem, isso lhes será feito por meu Pai que está nos céus” (Mateus 18:19). Além do mais, “Deus não é homem para que minta […]. Acaso promete, e deixa de cumprir?” (Números 23:19). Não se deve olvidar que o deus bíblico é chamado de pai. O melhor exemplo disso é a oração do Pai Nosso. Isso não é assim por acaso. 

Tradicionalmente, o papel do pai é sobretudo proteger, e proteção é o que crentes mais esperam duma divindade. Muitas pessoas têm dificuldade em conceber que o Universo possa não ter sido criado. Todavia, imaginar que existe um Criador, mas que é indiferente, não se importa com suas criaturas, é para elas muito mais difícil. Na verdade, insuportável. Contudo, a ideia dum Criador que intervém em sua criação condiz com a realidade? É isso o que se observa? Ele protege mesmo quem o chama de pai?

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