[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama]...se você nao assistiu, assista no meu site AQUI
Após realizarem dois dos mais engraçados e influentes filmes de comédia da história, os britânicos do Monty Python decidiram tentar o impossível e, à sua maneira muito peculiar, explicar o sentido da vida, misturando muito bom humor com críticas ácidas a diversos setores da sociedade britânica. Contando com o talento e a criatividade ímpar de seus integrantes, o grupo realizou mais um bom trabalho, ainda que as gargalhadas conquistadas com tanta frequência nos longas anteriores não surjam com a mesma intensidade aqui. Por outro lado, desta vez o espectador deixará o filme não apenas com um largo sorriso no rosto, mas também com interessantes reflexões.
Dividindo a narrativa em vários capítulos que funcionam como esquetes, o roteiro escrito por cinco dos integrantes clássicos do Monty Python nos leva por várias fases da vida, começando no nascimento e obviamente terminando na morte, enquanto tenta neste processo descobrir algum sentido para tudo que vivemos. Assim, se por um lado a quebra em diversos capítulos pode prejudicar um pouco o ritmo da narrativa, por outro o espectador sabe que se por acaso algum segmento não lhe agradar, o próximo pode trazê-lo de volta ao filme, o que mantém a nossa expectativa constantemente.
Menos engraçado e mais cerebral que os longas anteriores, “O Sentido da Vida” dispara críticas ácidas contra a falta de humanidade de alguns partos e hospitais contemporâneos, num esquete rápido e eficiente. Critica também a cegueira imposta pela igreja na sociedade, desta vez através de uma sequência hilária que começa na casa de um casal católico lotada de crianças e termina na sensacional música “Todo esperma é sagrado”, entoada pelas crianças como se fosse um hino. Há também uma ácida crítica a imbecilidade dos conflitos bélicos, primeiro num segmento divertido em que os soldados presenteiam seu comandante e depois durante a Guerra Zulu, duas sátiras que apostam no exagero para expor os absurdos da guerra.
Mais uma vez comprovando ser o mais engraçado dentre todo o elenco, Michael Palin nos diverte quase sempre que entra em cena, seja como o pai católico ou como o divertido Sargento do exército. Por sua vez, Graham Chapman, John Cleese, Eric Idle, Terry Gilliam e Terry Jones também se divertem em diversos papeis, abusando do humor sutil e inteligente tão característico dos britânicos em atuações bastante niveladas e consistentes.
Terry Jones e Terry Gilliam, aliás, também mantém características marcantes do grupo na condução da narrativa, quebrando convenções e abusando do visual propositalmente “tosco” que marca a filmografia do Monty Python, seja através das animações datadas, seja através de sequências que escancaram o baixo orçamento do longa. Quase anárquicos, os diretores não hesitam, por exemplo, em utilizar o curta-metragem que abre o filme para interromper a narrativa em determinado instante, pedindo desculpas pela interrupção minutos depois, numa escolha criativa e divertida.
O curta que abre “O Sentido da Vida”, aliás, também destila seu veneno, desta vez utilizando a metáfora para criticar o feroz sistema financeiro e suas selvagens especulações através da revolta dos funcionários da Crimson Permanent Assurance, que navegam até Wall Street e invadem os prédios lotados de Yuppies. A crítica à ganância do capitalismo não poderia passar em branco na filmografia do Monty Python.
Em “O Sentido da Vida”, os diretores se mostram inclusive mais inventivos visualmente, como no plano em que o casal de protestantes fala dos católicos (num diálogo hilário, aliás) enquanto dezenas de crianças saem em fila indiana da casa ao fundo ou na engraçada aula de educação sexual, em que a composição do plano nos permite ver a reação dos alunos enquanto o professor ensina na prática como ter uma relação sexual. Finalmente, temos até mesmo um interessante plano-sequência que nos permite acompanhar o garçom Gaston enquanto este fala sobre as coisas importantes em sua vida, num instante, aliás, em que outra convenção narrativa é deixada de lado, já que o personagem fala diretamente com a câmera e quebra a quarta parede.
Escorregando numa piada escatológica totalmente sem graça num restaurante, “O Sentido da Vida” provoca boas reflexões na excelente sequência musical que fala sobre o tamanho do universo e a nossa insignificância diante dele, logo após outra cena muito engraçada que aborda o sistema de doação de órgãos. Divertida também é a aparição do Senhor Morte, num esquete que brinca com a figura icônica normalmente associada à morte ao mesmo tempo em que nos leva ao encerramento da narrativa.
Após tudo que vimos, a pergunta é: temos a resposta para o sentido da vida? Não, não temos, mas talvez a vida ganhe mais sentido quando buscamos pensar nela de maneira bem humorada e criativa. O bom humor é uma excelente válvula para expor os nossos problemas e nos fazer refletir sobre eles. É isto que o Monty Python sempre buscou fazer.
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