A frase "Deus está no controle" é frequentemente evocada em momentos de dor, caos ou incerteza. Ela aparece como um bálsamo verbal diante do sofrimento inexplicável, das tragédias pessoais e das injustiças do mundo. Ao mesmo tempo em que oferece consolo emocional a muitos, essa afirmação também carrega implicações profundas que merecem uma análise crítica.
Quando se diz que uma divindade onipotente governa todos os acontecimentos, está-se, ainda que inconscientemente, anulando a responsabilidade humana. As guerras, as doenças, a fome, os desastres naturais, tudo seria parte de um plano maior, perfeito e incompreensível. Nesse raciocínio, não há espaço para o acaso, para a causalidade natural ou para o erro humano não redimido. Atribuir cada acontecimento à vontade de uma inteligência superior é, em última instância, uma forma de fugir da complexidade do real.
Além disso, a ideia de controle divino promove uma espécie de passividade existencial. Se tudo já está determinado, qual o sentido do esforço humano, da ética, da ciência ou da justiça? A fé cega na soberania de um ser invisível pode se tornar um anestésico intelectual, que sufoca a dúvida, a investigação e a ação transformadora. É mais fácil aceitar a dor como parte de um plano do que confrontar as estruturas que a produzem.
E mesmo que tal divindade existisse, sua aparente inação diante do sofrimento humano exigiria uma reflexão ainda mais desconfortável. Em um mundo onde crianças morrem de fome, onde doenças evitáveis ceifam vidas diariamente, onde minorias são perseguidas e injustiças se acumulam em silêncio, onde está esse controle? Um ser infinitamente poderoso e amoroso, mas que assiste inerte à miséria e à barbárie, mais se assemelha a uma presença ausente do que a um guardião cuidadoso. A passividade divina diante da dor do mundo, caso fosse real, levantaria mais questões do que respostas: que tipo de plano inclui genocídios, escravidão, desigualdade extrema e o sofrimento dos inocentes?
A narrativa da soberania divina, mesmo que reconfortante, tende a apagar a autonomia da consciência humana e a diluir a urgência de resolver os problemas deste mundo, aqui e agora. O discurso de que "tudo está nas mãos de Deus" pode, paradoxalmente, manter as mãos humanas inertes.
Talvez, ao invés de projetar um sentido externo às coisas, fosse mais honesto e mais corajoso, encarar o mundo como ele é: imprevisível, por vezes cruel, mas também moldável pelas decisões e ações humanas. Não por acaso, as maiores transformações sociais e avanços científicos vieram não da espera resignada, mas da inquietação daqueles que ousaram não aceitar o "controle" imposto pelos dogmas.
No fim, a crença de que um ser divino dirige cada detalhe da existência não é apenas uma questão de fé, é também uma escolha política, filosófica e moral. E como toda escolha, deve ser examinada, questionada e, se necessário, superada. Afinal, um mundo entregue às mãos humanas, embora imperfeito, ainda é um mundo em que mudanças são possíveis, e não meramente toleradas.
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