O caro leitor se lembra do filme Highlander, o Guerreiro Imortal, com Sean Connery e Christopher Lambert? Recordase também do slogan dessa película: “Só pode haver um”? Pois esse é o lema não oficial de muitas religiões e de todas as denominações cristãs.
Tirando delírio, poder e
dinheiro, por que haveria, por exemplo, um
cristão de fundar uma igreja senão para
convencer as pessoas de que é a verdadeira?
Toda igreja é, portanto, estabelecida
sobre a presunção de ser a verdadeira representante
de Deus na Terra. Como só
uma pode ser a detentora da verdade, o desígnio
de cada uma não é, então, apenas ser
maior que as outras, mas a única.
Imaginemos que, após muitas décadas de
enérgico trabalho missionário, uma igreja
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alcançasse seu tão almejado objetivo de
convencer o mundo inteiro de que é a verdadeira.
Toda a população da Terra se converteu,
digamos, à Igreja Mórmon. Nem
uma única pessoa é ateia ou tem uma crença
diferente. Todo o mundo, inclusive os
habitantes das regiões mais inacessíveis,
como os nômades do Planalto do Tibete e
os ilhéus de Tristão da Cunha, passou a seguir
o Mormonismo. Todos foram persuadidos
de que a religião mormônica é a verdadeira,
exatamente como ela por tanto
tempo pregou. Imaginemos quase oito bilhões
de pessoas ouvindo as mesmas mensagens,
lendo os mesmos livros e cantando
e escutando as mesmas músicas. Imaginemos
todas as facetas das culturas dos diferentes
povos, desde suas maneiras peculiares
de pensar até suas artes, costumes, tradições,
festas, comidas, indumentária e
gostos, sendo infiltradas, alteradas e moldadas
pelo modo de pensar, ser e viver que
inevitavelmente é exportado junto com as
religiões, nesse caso o Mormonismo, e se
impõe como ideal a ser seguido .... se todo mundo
se convertesse ao Mormonismo as escolas
ensinariam que os dinossauros viveram
em outros planetas, uma vez que é nisso
que mormonitas acreditam. Quando esses
astros foram destruídos, Deus aproveitou
seus destroços para formar a Terra. Foi assim
que os fósseis dos répteis mesozoicos
acabaram vindo parar aqui. Por outro lado,
se todas as pessoas passassem a professar
uma única religião, não faria a menor diferença
que ditasse, entre outras coisas, o que
tem de ser ensinado nas escolas, pois ninguém
haveria que achasse isso um despautério.
Imaginar o mundo assim me dá calafrios.
É como assistir a um filme de ficção científica
de terror do tipo Os Invasores de Corpos.
Se o caro leitor visualizou todos os habitantes
da Terra seguindo a mesma religião,
então terá que ter sentido como a
ideia de verdade religiosa universal, defendida pelas inúmeras ramificações do Cristianismo
e pelo Islã, é absurda e assustadora.
Querer o fim das coisas ruins, como pobreza
e violência, e que todas as pessoas vivam
bem não significa consentir com transformar
nosso planeta numa gigantesca igreja.
Esse exercício de imaginação nos faz ver
o delírio que é evangelizar, tido por cristãos
como natural.
Todavia, como poderia ser
natural bater de porta em porta para convencer
as pessoas a acreditar em coisas de
que os próprios missionários não têm evidências
algumas, instando-as a se juntar a
um grupo de gente que cultiva o pensamento
desejoso? Pior: Como poderia ser natural
pagar para fazer parte dum grupo assim?
Membros de uma denominação veem
membros de outras denominações e seguidores
de outras religiões, irreligiosos e
ateus como errantes necessitados de guia
ou perdidos carentes de salvação. Lembro me
de que, quando eu era evangélico, também
a mim parecia natural achar que gente
que não cria como eu precisava ser conduzida
à verdade. Por ser um dos fundamentos
de sua religião, cristãos não se dão conta
de que essa visão de mundo é arrogante.
O Cristianismo é tão perverso que põe em
seus adeptos sentimento de culpa até por
não o difundirem. São levados a crer que
Deus faz pessoas cruzarem o caminho deles
exclusivamente para que as guiem a Jesus.
Esquivar-se de evangelizá-las pode significar
a perdição eterna de muitas delas.
Crentes costumam pensar que gozam de
vantagem emocional sobre descrentes,
como se em pessoas sem religião faltasse
uma peça da engrenagem responsável pela
produção de felicidade. Por isso, o objetivo
dos missionários não é só salvar as pessoas
das chamas do Inferno mas também lhes
conceder o privilégio de ser felizes. Ora,
não crer em divindades e não seguir religiões
é justamente o que faz ateus felizes.
Apesar disso, alguém já viu ateus baterem
de porta em porta para compartir com
crentes a felicidade que há no descrer de
seres e lugares invisíveis, oferecendo-lhes
ajuda para se libertar de suas crenças e
igrejas?
A pergunta que quase nenhum crente se faz é: “Mas que diabos é um ateu?”. Sabemos que ateus não acreditam na existência de deuses, e por um motivo muito simples: falta de evidências. As supostas “evidências” apresentadas por crentes não são livres de erros de raciocínio. Pelo contrário: sã cheias de contradições. Ignorando por um momento que o ônus da prova recai sobre
quem faz uma alegação, assim como não é possível provar a existência de seres sobrenaturais não é possível provar sua inexistência. Isso vale tanto para uma divindade quanto para o Saci Pererê.
Então, tecnicamente todo ateu é agnóstico. Mas só tecnicamente.
Da mesma maneira que a probabilidade de que o Saci Pererê exista é tão
minúscula a ponto de beirar zero, assim para o ateu a de que Deus exista. Não é impossível que Deus exista, apenas extremamente improvável. Não se trata de certeza da impossibilidade, mas da improbabilidade, a mesma certeza que crentes têm da inexistência do Saci Pererê, embora ninguém a possa provar.
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