segunda-feira, 29 de abril de 2024

Evangelicalismo Highlander

 


O caro leitor se lembra do filme Highlander, o Guerreiro Imortal, com Sean Connery e Christopher Lambert? Recordase também do slogan dessa película: “Só pode haver um”? Pois esse é o lema não oficial de muitas religiões e de todas as denominações cristãs. 
Tirando delírio, poder e dinheiro, por que haveria, por exemplo, um cristão de fundar uma igreja senão para convencer as pessoas de que é a verdadeira? Toda igreja é, portanto, estabelecida sobre a presunção de ser a verdadeira representante de Deus na Terra. Como só uma pode ser a detentora da verdade, o desígnio de cada uma não é, então, apenas ser maior que as outras, mas a única.

 Imaginemos que, após muitas décadas de enérgico trabalho missionário, uma igreja 236 alcançasse seu tão almejado objetivo de convencer o mundo inteiro de que é a verdadeira. Toda a população da Terra se converteu, digamos, à Igreja Mórmon. Nem uma única pessoa é ateia ou tem uma crença diferente. Todo o mundo, inclusive os habitantes das regiões mais inacessíveis, como os nômades do Planalto do Tibete e os ilhéus de Tristão da Cunha, passou a seguir o Mormonismo. Todos foram persuadidos de que a religião mormônica é a verdadeira, exatamente como ela por tanto tempo pregou. Imaginemos quase oito bilhões de pessoas ouvindo as mesmas mensagens, lendo os mesmos livros e cantando e escutando as mesmas músicas. Imaginemos todas as facetas das culturas dos diferentes povos, desde suas maneiras peculiares de pensar até suas artes, costumes, tradições, festas, comidas, indumentária e gostos, sendo infiltradas, alteradas e moldadas pelo modo de pensar, ser e viver que inevitavelmente é exportado junto com as religiões, nesse caso o Mormonismo, e se impõe como ideal a ser seguido .... se todo mundo se convertesse ao Mormonismo as escolas ensinariam que os dinossauros viveram em outros planetas, uma vez que é nisso que mormonitas acreditam. Quando esses astros foram destruídos, Deus aproveitou seus destroços para formar a Terra. Foi assim que os fósseis dos répteis mesozoicos acabaram vindo parar aqui. Por outro lado, se todas as pessoas passassem a professar uma única religião, não faria a menor diferença que ditasse, entre outras coisas, o que tem de ser ensinado nas escolas, pois ninguém haveria que achasse isso um despautério. Imaginar o mundo assim me dá calafrios. É como assistir a um filme de ficção científica de terror do tipo Os Invasores de Corpos. Se o caro leitor visualizou todos os habitantes da Terra seguindo a mesma religião, então terá que ter sentido como a ideia de verdade religiosa universal, defendida pelas inúmeras ramificações do Cristianismo e pelo Islã, é absurda e assustadora. 
Querer o fim das coisas ruins, como pobreza e violência, e que todas as pessoas vivam bem não significa consentir com transformar nosso planeta numa gigantesca igreja. Esse exercício de imaginação nos faz ver o delírio que é evangelizar, tido por cristãos como natural. 
Todavia, como poderia ser natural bater de porta em porta para convencer as pessoas a acreditar em coisas de que os próprios missionários não têm evidências algumas, instando-as a se juntar a um grupo de gente que cultiva o pensamento desejoso? Pior: Como poderia ser natural pagar para fazer parte dum grupo assim? Membros de uma denominação veem membros de outras denominações e seguidores de outras religiões, irreligiosos e ateus como errantes necessitados de guia ou perdidos carentes de salvação. Lembro me de que, quando eu era evangélico, também a mim parecia natural achar que gente que não cria como eu precisava ser conduzida à verdade. Por ser um dos fundamentos de sua religião, cristãos não se dão conta de que essa visão de mundo é arrogante.

 O Cristianismo é tão perverso que põe em seus adeptos sentimento de culpa até por não o difundirem. São levados a crer que Deus faz pessoas cruzarem o caminho deles exclusivamente para que as guiem a Jesus. Esquivar-se de evangelizá-las pode significar a perdição eterna de muitas delas. Crentes costumam pensar que gozam de vantagem emocional sobre descrentes, como se em pessoas sem religião faltasse uma peça da engrenagem responsável pela produção de felicidade. Por isso, o objetivo dos missionários não é só salvar as pessoas das chamas do Inferno mas também lhes conceder o privilégio de ser felizes. Ora, não crer em divindades e não seguir religiões é justamente o que faz ateus felizes. Apesar disso, alguém já viu ateus baterem de porta em porta para compartir com crentes a felicidade que há no descrer de seres e lugares invisíveis, oferecendo-lhes ajuda para se libertar de suas crenças e igrejas? 

A pergunta que quase nenhum crente se faz é: “Mas que diabos é um ateu?”. Sabemos que ateus não acreditam na existência de deuses, e por um motivo muito simples: falta de evidências. As supostas “evidências” apresentadas por crentes não são livres de erros de raciocínio. Pelo contrário: sã cheias de contradições. Ignorando por um momento que o ônus da prova recai sobre
quem faz uma alegação, assim como não é possível provar a existência de seres sobrenaturais não é possível provar sua inexistência. Isso vale tanto para uma divindade quanto para o Saci Pererê.
Então, tecnicamente todo ateu é agnóstico. Mas só tecnicamente.
Da mesma maneira que a probabilidade de que o Saci Pererê exista é tão
minúscula a ponto de beirar zero, assim para o ateu a de que Deus exista. Não é impossível que Deus exista, apenas extremamente improvável. Não se trata de certeza da impossibilidade, mas da improbabilidade, a mesma certeza que crentes têm da inexistência do Saci Pererê, embora ninguém a possa provar.

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